O FILHO DO ABORTO

                    




                     O FILHO DO ABORTO


Eu podia ter sido feliz.
         Sempre amei minha mãe, mas não tive a chance de possuir amor materno. Não tive também o incrível amor paterno, não tive um pai para me ensinar a depilar a barba, ou coisas sobre namoro, ou alguém pra me falar conselhos que talvez não fosse entender, mas pelo menos os possuísse e no futuro lembraria do meu “velho” como alguém sábio.
         Não tive a chance de ter brinquedos incríveis, ou fazer amigos. Mentalmente, já no útero da minha mãe imaginava-me brincando com bolas coloridas, bonequinhos e blocos de encaixe. Talvez se tivesse a chance de ter ido a escola teria feito amigos para brincar comigo com esses brinquedos. Aliás se tivesse ido a escola, teria a chance de ter aprendido a ler e escrever e pudesse conhecer as aventuras de cavaleiros e escrever minhas próprias histórias de aventuras.
         Queria ter tido a chance de passar bons momentos com a família, conhecer meus avós, tios e primos.... até mesmo irmãos. Talvez na comemoração do natal eu pudesse rir e me divertir com eles.
         Poderia fazer parte de um lar real, aonde me sentisse seguro e protegido. Onde tivesse um quarto só meu, uma cama quentinha e roupas confortáveis para poder me aquecer.
         Eu não tive isso, porque minha gestação foi de risco e minha mãe morreu logo após meu nascimento, os médicos até a avisaram, diziam:
         -A sua gravidez é de risco, você está fraca após o ataque violento, esse feto está frágil – e logo após que ela saia da sala, como senão soubessem que eram ouvidos através da porta, falavam – essa menina devia aprender a fechar as pernas, acha o que? Que todos os homens conseguem se aguentar?
         Então quando nasci, fiquei no hospital um tempo para adoção, depois fui para um orfanato, onde as crianças mal tinham roupas, imaginem brinquedos.
         Quando tinha quatro anos eu fui abandonado, largado no meio da cidade e então virei um garoto de rua.
         Não era nada fácil, as pessoas as vezes me davam dinheiro por pena, outras me agrediam e diziam que devia ir a escola ou trabalhar pra conseguir dinheiro.
         Com seis anos, fiquei no meio de uma troca de tiros e assim minha vida acabou.
         Não, eu não fui abortado por um médico, o governo não deu permissão para minha mãe acabar com nosso sofrimento. Mas eu fui sim abortado... não pela mão da minha mãe.... não pela mão daquele médico... mas sim:

         FUI ABORTADO PELA PÁTRIA.




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